O homem está sentado no banco quando a mulher chega e senta-se ao lado dele.

Homem – Como estás?

Mulher abana a cabeça em negação.

Mulher – Tive um dia mal.

Detesto o que faço. Todos os dias o mesmo trabalho de Sísifo.

O Leo sabia como era. Chegamos a trabalhar juntos e ríamos e reclamávamos no ombro um do outro. Ele tinha um humor refinado, era sarcástico e cómico. Inteligente. E nós no meio daquela gente medíocre.

Homem – Isso faz de ti alguém igualmente medíocre?

Mulher – Agora que dizes…se calhar até sou. O que faz de alguém um medíocre?

Homem – Alguém que não acrescenta valor a nada.

Mulher – Então, sim. Neste momento é o que sou. Uma pessoa medíocre e que faz más escolhas. Alguém que se está a lixar para os outros e para o mundo. Se deixamos de ter trabalho amanhã, o que importa? Vamos todos acabar por fazer companhia à Mila.

Homem – És assim tão má pessoa?

Mulher – Devo ser.

Homem – Se és assim tá má, como conquistaste o Leo?

Mulher – Compreendi-o. Quando toda a gente o ostracizava, quis conhecê-lo por quem ele se mostrou para mim. E me apaixonei.

Sinto-me triste o tempo todo. Sinto que com a partida dele tudo se foi e eu já não sou nada nem ninguém. As pessoas acham que estou bem porque converso e conto piadas, mas é só uma fachada…lembro-me do que é ser normal e tento imitar. Eu quero ficar bem, mas sou fraca e estas saudades… estas saudades. Quando eu me ia abaixo ele me consolava e sempre quis cuidar de mim. 

Sinto o dentro de mim o tempo todo como se fosse uma extensão minha. Como se tudo o que vivemos tivesse criado um chip na minha mente e para qualquer lugar que olhe é só a ele que vejo. Já não são apenas os poucos contatos que temos, mas tudo me leva àquele lugar que era nosso. Dias de sol em que passeávamos no parque, dias de chuva em que ficávamos enrolados na cama, a frescura da água com gás, o ácido das frutas verdes que ele gostava. Ele está em todo lado e ao mesmo tempo eu estou tão só. Parece que estou num poço escuro e ele é a luz que brilha na fora, mas não me chama para viver o dia com ele.

Homem – Tenho a certeza de que o Leo foi muito feliz contigo. E que se sentia útil ao teu lado. Sentir-se assim faz sempre bem.

Mulher – Sentes-te só?

Homem – Só sinto a falta de uma pessoa.

Mulher – Sinto uma culpa tremenda pela minha solidão. Como se eu mesma tivesse me trancado numa prisão e perdido a chave.

Homem – Os sentimentos dão nos razões para querer viver mais tempo.

Mulher – Ou não.

Homem – Eu estava a ir tão bem…

Minha mãe costuma dizer que a vida é como um carrossel. Só podes entrar uma vez. Vai haver momentos que vais estar em cima, outros em baixo, mas acima de tudo vais ter amigos ao teu lado a tentarem se divertir contigo. Vai haver momentos em que olhamos à volta e vemos tudo colorido, animado e com luzes. Mas uma hora, para de rodar.

A Mila sabe o quanto sinto a fala dela. Mas também sei que as mudanças são uma contante na vida. Vai haver momentos em que temos tudo e outros em que vamos ter de descer do carrossel.

Não te estejas a culpar desta forma. Nem precisas de tentar encontrar um substituto para o Leo. Mas procura antes uma razão para ti, para ainda estares aqui. Sei que te preocupas com as pessoas. Que neste momento é só esta capa de pesar que não deixa ser quem és: gentil, inteligente, sensível.

Mulher – E sexy. Dizes isto porque faço-te companhia para não pensarem que és louco a falar sozinho.

Homem – (ri-se) O Leo viu isto tudo em ti. Podes estar a sofrer, mas tornas o mundo um lugar melhor com esta tua maneira de ser.