É mais do que um desejo de possuir. É um anseio de ser possuída, de ser encontrada, diria até, de ser tomada por algo maior do que a própria vida. Um pertencimento quase absurdo, como uma maré que brinca com os nativos de junho, numa dança etérea entre algas e estrelas. Flutuar assim, leve e solta, é um prazer incomparável, até que se sinta a fragilidade do vazio, a delicadeza do estar suspensa entre o tudo e o nada. E que luxo é esse, permitir-se tamanha vulnerabilidade numa época que grita a todo momento pela força implacável das mulheres.
Sim, essa vulnerabilidade, tão mal compreendida, deveria ser um dos nossos maiores poderes. Um reconhecimento da nossa humanidade, não aquela que perdoa indiscriminadamente, mas a que resulta de um exercício de humildade, de aceitação da nossa finitude. Reconhecer as nossas derrotas, aceitar as nossas limitações, é, por fim, uma vitória em si mesma, pois traz consigo uma confiança tranquila, quase serena, que só a sabedoria pode proporcionar.
Observo esses pensamentos como quem observa uma roda de velhas amigas conversando, cada uma trazendo sua perspectiva do que é ser mulher, do que é lutar para reconquistar uma dignidade tantas vezes usurpada. Mas a palavra ‘direito’ já foi tão desgastada, tão mal usada, que se tornou quase uma questão metafísica, uma ideia flutuante, perdida entre o que deveria ser e o que é.
E quando penso em mulheres como San Suu Kyi, Madre Teresa de Calcutá, aquela juíza de Santa Catarina, a Damares, a minha avó materna, a professora que me perseguia… não, amigas, não venham me dizer que devo carregar um estandarte a cada instante, como uma jaguatirica de olhos semi cerrados à espreita de uma capivara desavisada, julgando-a misógina pela fome que trago no peito desde sempre.
O que eu quero, Clarice já disse, ainda não tem nome. E assim, rezando sobre sua prosa, faço das pequenas coisas do dia a dia um esboço de liberdade, uma criação inventada, onde o critério é meu e só meu. Um ensaio de ser, um rascunho do que talvez um dia venha a ser completo, mas que por enquanto, é apenas isso: uma busca, um desejo, um murmúrio sussurrado ao vento.